CICLOS CÓSMICOS DA HUMANIDADE
MANRIQUE MIGUEL MOM (†)
PRIMEIRA PARTE
I
O Cuadrado "SATOR"
Desde 1750 se realizam escavações em Pompéia. Numa delas, feita há mais de 60 anos(a), uma estranha inscrição datada, com certeza, da época destruição da cidade, no ano de 79 d.C., e que os arquitetos cristãos reproduziram profusamente mais tarde em diversos monumentos da Itália e da França - na igreja de Pievi Iersagui, perto de Cremona, no castelo de Carnac, sobre a baia de Quiberam (Morhiban, Bretanha, zona famosa por seus monumentos megalíticos, dólmens e menires estranhamente alinhados) e no templo de Saint-Laurent de Rochemaure. Da mesma forma, e além de outros lugares, a inscrição foi descoberta em ruínas romanas situadas em Cirencester (Inglaterra), 55 quilômetros a noroeste de Bristol, e em Doura Europos, antiga cidade síria sobre a margem direita do Eufrates, onde atualmente se eleva a localidade de Qalat es Salihiya, uns 440 quilômetros a Nor–nordeste de Damasco. 

Apelidada o "quadrado mágico" – ou, com mais propriedade, de quadrado SATOR – a inscrição se apresenta na seguinte forma:

S  A  T  O  R
A  R  E  P  O
T  E  N  E  T
O  P  E  R  A
R  O  T  A  S 

Este palíndromo1 latino é, com toda segurança, uma inscrição paleocristã. De fato, as vinte e cinco letras que o formam permitem escrever –sem repetições– duas vezes a palavra PATERNOSTER, e duas vezes também as letras A e O, o alfa e o ômega – o Princípio e o Fim – que relata o Apocalipse do apóstolo João (IV.21.6)(b), tal como se pode comprovar a seguir: 

P
A
A          T          O
E
R
P  A  T  E  R  N  O  S  T  E  R
O
S
O          T          A
E
 R 
O vocábulo SATOR, na tradução que melhor responde à mensagem do palíndromo, significa criador; AREPO carece de sentido em latim, porém devemos assinalar que é o inverso de OPERA; TENET, nas acepções que podem interessar, significa manter, ocupar, dirigir, governar; OPERA nos indica os sentidos de ato, trabalho, obra, ou processo; ROTAS pode ser roda, círculo, ciclo, ou também disco do Sol.

Na nossa opinião – eliminando transitoriamente AREPO – o palíndromo deve ser interpretado assim: "O Criador governa os processos cíclicos"…, e o realiza com AREPO, ou seja, com trabalho, ato ou processo (OPERA) inverso do que executa com outro ou outros fins. Desta maneira, obtemos provisoriamente o seguinte resultado parcial: "O Criador governa os processos cíclicos com um trabalho inverso…" ("SATOR – AREPO – TENET – OPERA – ROTAS"). 

Porém todo palíndromo se caracteriza por ser lido igual de cima para baixo e ao contrário, ou da esquerda para a direita e reciprocamente. Em conseqüência, se o palíndromo SATOR se lê de cima para baixo e, de imediato, de baixo para cima, sempre à partir da esquerda, tal como se escreve e se lê em latim, encontramos a chave na mensagem do palíndromo, já que se é certo que SATOR – AREPO – TENET – OPERA – ROTAS significa "O Criador governa os processos cíclicos com um trabalho inverso", não é menos certo que "ROTAS – OPERA – TENET – AREPO – SATOR" expressa sem a mais leve dúvida que o Sol se ocupa dos trabalhos inversos do Criador.

Ambas as leituras são absoluta e necessariamente complementares para decifrar a mensagem colocada no palíndromo. Porém, às vezes, confirmam o desconhecimento –ainda existente nos tempos imediatamente anteriores e posteriores ao início da Era Crist㠖 dos descobrimentos de Aristarco de Samos (de 310-230 a.C.) referentes à rotação da Terra sobre seu eixo polar e em torno ao Sol (heliocentrismo), e os de Hiparco de Rodas (cerca de 150 a.C.), relacionados com o fenômeno astronômico da precessão dos equinócios, que constitui uma das resultantes dos diversos movimentos simultâneos e combinados que, pelos efeitos gravitacionais conjuntos do Sol, da Lua, e de outros corpos celestes, nosso planeta – e sua órbita – realizam em torno ao Sol. O desconhecido autor do palíndromo SATOR – aferrado ainda ao geocentrismo anterior a Aristarco de Samos, e desconhecendo, sem dúvida, os descobrimentos de Hiparco de Rodas, atribuiu diretamente ao Sol a função de executor dos "trabalhos inversos do Criador", ou seja, dos efeitos emergentes da precessão dos equinócios, os quais regulam "Nolens Volens" o ritmo e a duração dos ciclos cósmicos da humanidade.

De fato, para o Hemisfério Norte, o equinócio de primavera marca o ponto no qual a Terra, em seu movimento anual de translação ao redor do Sol, passa do semiplano eclíptico austral para seu homólogo boreal, ponto que é variável, pois anualmente se desloca em sentido retrógrado ao longo de sua órbita sobre a eclíptica. Esta retrogradação ou precessão é de 50,27 segundos de arco por ano trópico (365,242 dias solares médios), o que implica, de forma quase que exata, uma variação de 1º de arco em 72 anos, 30º em 2160 anos, e 360º na quantidade de 25.920 anos, lapso este último durante o qual uma hipotética projeção do ponto vernal (do latim, primavera) sobre a coroa de constelações zodiacais efetuaria uma volta completa, para regressar, aproximadamente, ao ponto de partida. Ademais, em tal ciclo precessional de 25.920 anos, as estrelas polares Norte e Sul se modificam várias vezes, sem que se repitam no lapso indicado.

O período cíclico–cósmico que com maior freqüência aparece em quase todas as grandes tradições, não é o da precessão dos equinócios, mas sua metade. É o período que corresponde, notoriamente, àquele denominado grande ano pelos povos hiperbóreos,(c) caldeus, persas pré-islâmicos, gregos e atlantes, avaliado em 12.960 anos. Fontes de origem hindu e caldéia – entre outras – assinalam em 5 (cinco), ou seja, o mesmo número dos elementos do mundo sensível (éter, ar, fogo, água, terra), a quantidade de grandes anos, incluindo nosso atual ciclo cósmico, o que dá um total de 64.800 anos a contar desde o seu já longínquo começo, até que culmine em um crepúsculo final, para reiniciar-se um novo ciclo da cadeia de mundos.

 
II
O Simbolismo do Rosário, ou do Colar de Pérolas2
O conjunto da manifestação universal comporta uma quantidade indefinida de ciclos, ou seja, de estados e graus de existência, cujo encadeamento é, na realidade, de ordem causal e não sucessiva, e as expressões utilizadas à respeito, por analogia com a ordem temporal, devem considerar-se como exclusivamente simbólicas. Cada mundo ou cada estado de existência pode ser representado por uma esfera atravessada diametralmente por um fio, que se constitui no eixo que une os dois pólos opostos de tal esfera. Observa-se, assim, que o eixo deste mundo não é senão um segmento do eixo da manifestação universal íntegra, e – desse modo – se estabelece como continuidade efetiva de todos os mundos incluídos na manifestação. 

A cadeia de mundos é representada geralmente em forma circular, pois se cada mundo é considerado como um ciclo e é simbolizado, como tal, por uma figura circular ou esférica, a manifestação íntegra, que é o conjunto de todos os mundos, aparece de certo modo, por sua vez, como um "ciclo de ciclos". Assim, a cadeia não só poderá ser percorrida de um modo contínuo desde sua origem até o seu fim, mas, também, poderá ser percorrida seguindo novamente o mesmo sentido, que corresponde – no desdobramento da manifestação – a outro nível, distinto daquele no qual se situa a simples passagem de um mundo a outro. Como esse percurso pode prolongar-se indefinidamente, a indefinição da própria manifestação estará, assim, representada de um modo mais sensível. No entanto, é essencial acrescentar que, se a cadeia, de certo modo, parece fechar-se, é para que não se suponha que um novo percurso dessa cadeia possa ser apenas uma espécie de repetição do percurso precedente (um "eterno retorno"). Isso é uma impossibilidade, por constituir algo claramente contrário à verdadeira noção tradicional dos ciclos, segundo a qual somente há correspondência e não identidade; ademais, tal suposição de "eterno retorno" implicaria confundir "eternidade" com "duração indefinida".

As doutrinas dos ciclos cósmicos da humanidade sofreram, desde o século IV, um embate tão encarniçado quanto justo, cuja base se finca em um grande desconhecimento do Universo e da mecânica celeste, assim como em uma concepção linear do tempo histórico, que alguns autores contemporâneos rotularam de uma conquista fundamental do processo humano.

As concepções cíclicas – diz René Guénon – "não se opõem de forma alguma à história, já que esta, pelo contrário, não pode ter realmente outro sentido senão o de expressar o desenvolvimento dos acontecimentos no transcurso do ciclo humano, ainda que os historiadores profanos não sejam, com segurança, absolutamente capazes de se dar conta disso".

O tempo cósmico não é linear, mas cíclico, e a humanidade não deve esquecer que também forma parte do cosmos. Mircea Eliade assim o diz, justamente quando o homem ocidental, em uma nostalgia de eternidade, evidencia sua ânsia por um paraíso concreto, e crê que esse paraíso é realizável aqui embaixo, na Terra, e agora, no instante presente, em uma espécie de eternidade experimental à qual pensa que ainda pode aspirar.

Em quase todas as grandes tradições monoteístas o símbolo mais corrente da cadeia de mundos é o "rosário". O elemento essencial do símbolo é o fio que une as contas, pois não pode haver rosário se não existe primeiro esse fio no qual as contas vêm depois a ser enfiadas "como as contas de um colar". É necessário, no entanto, chamar a atenção sobre isso, dado que, do ponto de vista externo, se vêem mais as contas que o fio, o que é muito significativo, já que as contas representam a manifestação sensível, enquanto o fio simboliza o Espírito puro universal, identificado com Deus, em todos seus Nomes.

O número de contas do rosário varia segundo as tradições, e pode, inclusive, modificar-se em função de certas aplicações especiais. Mas, pelo menos nas formas orientais, é sempre um número cíclico, por sua relação com a divisão geométrica do círculo e com o período astronômico da precessão dos equinócios. Assim, particularmente na Índia e no Tibet, esse número é comumente o 108. Na realidade, os estados que constituem a manifestação são de uma vastidão indefinida, mas é evidente que esta vastidão não poderia ser adequadamente representada por um símbolo de ordem sensível como aquele que aqui está sendo tratado, e é forçoso, então, que as contas tenham um número definido. Sendo assim, um número cíclico convém naturalmente para uma figura circular como a considerada, que representa por si mesma um ciclo, ou – melhor dizendo – um "ciclo de ciclos".

Na tradição islâmica, o número de contas do rosário é de 99, número também cíclico por seu fator 9. E o rosário se divide em três séries de 33 contas, cada uma das quais representa um mundo. A esfera faltante para completar a centena equivale a reduzir a multiplicidade à unidade, já que 99 é igual a 100 menos 1. A conta ausente só se encontra no Paraíso.

Por seu lado, na tradição cristã, o rosário, cuja origem se atribui a São Domingos de Gusmão (de 1.170 a 1.221), possui 50 contas separadas de dez em dez por outra de maior tamanho, e seus extremos se unem em uma cruz. Totaliza assim 54 contas (a metade do rosário oriental de 108 contas), número cíclico submúltiplo de 12.960. 



Segunda Parte

NOTAS
(a) (N. t.): O autor escreveu este documento possivelmente em 1993.
1 Palíndromo (do grego "palíndromos"): "que desanda o andado": de palín: de novo; e drómos: estrada. Palavra ou frase que se lê igual da esquerda para a direita ou inversamente, ou então, se a palavra ou frase está escrita verticalmente, se lê da mesma forma de cima para baixo e de baixo para cima. Exemplos: "anilina"; "amor a Roma".
(b) "Novamente me disse: 'Está pronto! Eu sou o Alfa e o Omega, o Começo e o Fim. A quem tem sede eu darei gratuitamente de beber da fonte da água viva.'" (N. t.)
(c) Setentrionais, do Norte (N. t.)
2 O autor faz, em seguida, uma longa citação de Guénon, sem colocá-la entre aspas, como em várias ocasiões mais adiante, especialmente em "O manvantara e seus yugas" cujas citações pertencem ao artigo de R. Guénon reproduzido aqui ("Algumas observações sobre a doutrina dos ciclos cósmicos"), e também em "Melquisedek", pertencentes estas ao Rey del Mundo. Nelas, a maioria dos sublinhados (em letras itálicas) pertencem ao autor do presente artigo, que, em troca, indica, na bibliografia correspondente, os livros e páginas respectivos. Preferimos deixar como fez o autor e não colocá-las entre aspas. (N. e.).
A maioria dos sublinhados referidos pelo editor não foram adotados pelo tradutor, que os julgou excessivos. (N. t.)


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